quarta-feira, 17 de julho de 2013

LISBOA: EM TEMPO DA BANHA DE COBRA...

 Foi aqui, juro que os vi...

A vida nas grandes cidades é de ciclos e contraciclos, pelo que poucas coisas podem causar surpresas aos que, pela vida mais longa, passaram por eles.

Há muitos anos, no recanto dos Restauradores a caminho da Estação do Rossio, eram frequentes os vendedores da banha de cobra, não com espírito eleitoral como hoje se faz muitas vezes, mas com o mesmo objectivo: ganharem...enganando.

Montavam uma banca que cobriam com um pano vermelho (nessa altura o vermelho já era truque...) e colocavam em cima umas canetas, ou canivetes, carteiras e outras "novidades". Sempre poucos objectos para facilitar a fuga se viesse a polícia.

Um fala-barato (hoje é mais fácil ver na TVfalava alto, esbracejava, puxava da caneta e, enchendo-a com tinta, dizia "Vejam meus senhores a última novidade, não pinga, não suja, quem quer? Só 25 tostões, se levar duas são 4 escudos"...

Outro membro da pandilha, logo que via um grupo de pessoas à volta, pedia licença e gritava: "Vá lá, dê-me duas, uma para mim e outra para o meu filho...". Pagava, recebia e ia dar uma volta. Voltaria de novo e a cena repetia-se.Dos que ficavam, havia quem fosse na conversa e comprasse.

Chegava-se a casa com a "prenda". A caneta ou arranhava o aparo ou deitava pingos de tinta por cima do papel, de tal forma que o mata-borrão se esgotava lá em casa; a pomada para os calos fazia alergia; o canivete multiusos não fechava.

Recordo, como se fosse hoje, que o meu pai, um dia, comprou uma peça (pequena) que, na linguagem do charlatão, permitia enfiar a linha pelo buraco da agulha, gesto que a minha mão não conseguia fazer bem por falta de vista.

Numa noite inteira, o meu pai e a minha mãe, alternadamente, com a peça numa mão e a linha noutra, não conseguiram fazer aquilo que era a razão da compra. 

Durante uns tempos, os vendedores desapareciam do local e, se outros (compinchas) aparecessem eram totalmente alheios à aldrabice, batiam no peito a garantir "a maior seriedade nos negócios", por parte deles e seus assessores.

Tinham percursos estabelecidos para a fuga: Calçada da Glória, Rua do Jardim do Regedor , Portas de Santo Antão ou Largo da Anunciada.

Diga-se, sem ofensa aos vendedores da banha de cobra, que foram percursores das técnicas usadas por políticos genéricos, ávidos de poder e vaidade,  falantes de gostos prioritários mas que usam todos os estratagemas para se perpectuarem.

Há dias, de fugida, na esquina do Boqueirão da Ponte da Lama, pareceu-me ver os vultos de um ou dois desses vendedores da banha de cobra, mas tão rápido desapareceram que não vi as canetas...apenas borradelas espalhadas pelo chão.

Neste novo ciclo, atenção às canetas que borram, porque a principal intenção dos vendedores é ganharem os seus privilégios, deitando lama para os olhos dos compradores.

É bom saber do currículo: HÁ QUANTOS ANOS VENDEM CANETAS?




 

1 comentário:

Manel disse...

Genial, como é hábito, esta cronica bem podia ser a página 9 do Livro Branco...